Com uma rotina de conflitos com integrantes do próprio governo, Jair Bolsonaro vem se desentendendo com o vice, Hamilton Mourão, e se distanciou do general nos últimos meses — em 2020, eles falaram apernas por oito horas. Incomodado com o comportamento do seu sucessor imediato no comando do Poder Executivo, que costuma se posicionar de maneira às vezes conflitante em diversos temas, o presidente da República tem dado cada vez menos ouvidos a ele, priorizado a relação com ministros sobre os quais tem ascendência. Com isso, crescem os rumores de que Mourão não deve compor a eventual chapa que concorrerá à reeleição, em 2022.
Bolsonaro evita repreender Mourão publicamente, mas, neste mês, já deu declarações que serviram como um recado claro ao vice. Há duas semanas, depois de o general apoiar a participação da empresa chinesa Huawei no leilão do 5G no Brasil, o presidente foi no sentido contrário. “Ninguém vem falar (sobre) 5G comigo, e não está aberta a agenda para quem quer que seja a pessoa, a não ser que ela venha acompanhada do ministro Fábio Faria, das Comunicações. Repito: 5G ninguém fala comigo sem antes conversar com Fábio Faria”, afirmou, durante solenidade no Planalto.
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Ainda que tente desconversar sobre se candidatar à reeleição daqui a dois anos, Bolsonaro tem cogitado outros nomes para vice, como as ministras Tereza Cristina (da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e Damares Alves (da Mulher, Família e Direitos Humanos). Com isso, o general avalia as saídas para o seu futuro. Chegou a admitir que pode se candidatar para uma vaga ao Senado e que, a princípio, não pensa em tentar disputar o Governo do Rio Grande do Sul, seu estado natal, por causa da idade.
De qualquer maneira, o vice tenta evitar os ruídos com Bolsonaro. No começo do mês, afirmou que vê influência de “intrigas palacianas” no relacionamento com o presidente. De acordo com o general, há assessores palacianos que “distorcem os fatos”. Esses mesmos palacianos veem Mourão muito próximo do MDB, e não descartam uma candidatura futura do general, em 2022, rumo ao Planalto.
“Até o presente momento, o presidente Bolsonaro não tocou neste assunto comigo. Eu estou em condições, estou pronto para acompanhá-lo, caso ele deseje e ele vá ser candidato em 2022, porque tudo é possível daqui para lá. Então, se ele decidir que vai ser candidato e me convidar, ele sabe que tem o meu apoio e minha lealdade para continuar com ele”, disse.
Possibilidades
Na avaliação do cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando, caso Mourão queira um protagonismo maior, o lugar que ele tem mais chances de conseguir algum resultado é disputando o Senado. Afinal, se resolvesse entrar na corrida pelo Palácio do Planalto, brigaria por votos na mesma parcela do eleitorado que é fiel ao presidente.
“Não sei se Mourão quer partir para embate com Bolsonaro. Teria que dividir um grupo que já está muito próximo ao bolsonarismo e o apoia. O presidente tem dificuldade de conviver com qualquer pessoa que tenha elementos de liderança e que possa ofuscá-lo”, observa Prando. Ele lembra que a postura mais amena de Mourão, aberto ao diálogo com políticos, além do grau de conhecimento do vice, são fatores que intimidam Bolsonaro –– e também, por isso, o presidente tenta afastá-lo.
Para a constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV) Vera Chemim, “Mourão demonstrou não apenas prudência, como também o seu conhecimento. Tais virtudes acabam provocando animosidade por parte dos filhos de Bolsonaro, que não perdem a oportunidade de hostilizá-lo em manifestações públicas”.
Controle da Câmara assegura menos problemas
Pressionado pelo escândalo da Agência Brasileira de Informações (Abin) e por questionamentos sobre a atuação do governo na pandemia, o presidente Jair Bolsonaro tem, na eleição para a Presidência da Câmara, marcada para fevereiro, um teste decisivo para o seu futuro político. Fazer o sucessor do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) no cargo, mais do que favorecer projetos de interesse do governo, seria, para o presidente, uma forma de navegar em águas menos agitadas, ante uma avalanche de complicações que estão por vir.
A corrida pela sucessão na Câmara transformou-se em um campo de batalha, com o enfrentamento entre as forças políticas que já começaram a se organizar para as eleições de 2022. A recente troca de acusações entre Bolsonaro e Maia a respeito do não pagamento do 13º do Bolsa Família expôs o acirramento da disputa.
A revelação de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) produziu relatórios para orientar advogados do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) é a mais nova dor de cabeça do presidente. Seu filho mais velho é investigado por suspeitas de desvio de salários de funcionários do gabinete à época em que era deputado estadual no Rio de Janeiro.
Ao mesmo tempo em que a oposição acusa o chefe do governo de ter cometido crime de responsabilidade, passível de um processo de impeachment, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) abra uma investigação para confirmar se a agência de inteligência do governo foi utilizada pelo presidente para fins pessoais. O caso, revelado pela revista Época.
Futuro partidário
A disputa pela Presidência da Casa tem importância também na decisão de Bolsonaro sobre o partido ao qual irá se filiar. Aliados têm orientado o presidente sobre a importância de ele contar com uma estrutura partidária para tentar a reeleição em 2022. Depois de não obter as assinaturas suficientes para criar o Aliança pelo Brasil, o presidente tem mantido conversas com lideranças de diferentes legendas, principalmente, do Centrão.
Na semana passada, ele voltou a dizer que anunciará o nome de sua nova sigla em março, ou seja, após o resultado da eleição da Câmara. Conforme afirmou, um dos partidos com os quais tem conversado é o PP, do deputado Arthur Lira (AL), líder do Centrão e candidato do Planalto para suceder Maia no comando da Casa –– Bolsonaro foi filiado ao PP até 2016. Entre outros partidos do bloco parlamentar, o presidente também tem na mira o PTB, do ex-deputado Roberto Jefferson (RJ), o PL e o Republicanos.
Um deputado filiado a um desses partidos, ouvido pelo Correio, afirmou que o presidente seria recebido de braços abertos, desde que não pretenda assumir o controle da legenda. Nessas discussões, Bolsonaro tem insistido que só formalizará uma filiação se puder assumir o comando de sua nova sigla, com autonomia, principalmente, para acessar os recursos dos fundos partidário e eleitoral.
O deputado Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos, já deixou claro, em diferentes ocasiões, que não abriria mão do comando da legenda para Bolsonaro. “Não abro mão do Republicanos, nem para o presidente”, tem repetido o parlamentar, que retirou a candidatura à Presidência da Câmara e passou a apoiar Lira.
Migração constante
Desde que ingressou na política, em 1988, o presidente Jair Bolsonaro passou por oito partidos:
1988 a 1993PDC
1993 a 1995PPR
1995 a 2003PPB
2003 a 2005PTB
2005PFL
2005 a 2016PP
2016PSC
2017firmou
compromisso
com o Patriotas
2018 a 2019PSL
2019 a 2020sem partido