O Tribunal de Contas da União (TCU) deu prazo de 90 dias para que o Ibama, o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade prestem informações sobre o uso de retardante de chamas em ações contra queimadas.
Em decisão tomada na última quarta-feira, 4, o plenário do TCU determinou que os órgãos, sob orientação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, devem explicar ainda por que decidiram adotar uma ação “sem o esclarecimento sobre as consequências práticas do uso desses retardantes em desfavor do meio ambiente e da saúde pública”, conforme o processo relatado pelo ministro-substituto do TCU André Luís de Carvalho.
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No dia 16 de outubro, o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente suspenderam o plano de comprar 20 mil litros de retardante de fogo, em regime de urgência e sem licitação, para lançar sobre áreas de queimadas do Pantanal, no Mato Grosso. A suspensão ocorreu após o plano ser revelado pelo Estadão, em 13 de outubro. Um laudo técnico do próprio Ibama, de 2018, apontou que a aplicação desse produto exige cuidados, por possíveis riscos ao meio ambiente e à saúde humana.
A reportagem mostra que o Ibama já estava com uma minuta de contrato pronta, com todos os dados do fornecedora do produto, para comprar os 20 mil litros do retardante, ao preço de R$ 684 mil. Esse produto químico, que é misturado à água e lançado por aviões sobre a vegetação, tem a propriedade de aumentar a capacidade de retenção do fogo.
Os técnicos do Ibama, porém, já foram claros no documento de 2018 ao alertarem sobre a necessidade de “suspensão do consumo de água, pesca, caça e consumo de frutas e vegetais na região exposta ao produto pelo prazo de 40 dias”, por causa dos riscos de contaminação ao meio ambiente e às pessoas.
Agora, a secretaria agroambiental do TCU quer saber por que as recomendações técnicas foram ignoradas. A corte de contas pede ainda “medidas corretivas e preventivas” para as ações de combate a incêndios florestais na região do Pantanal e dos demais biomas, “ante a eventual inobservância de pareceres técnicos pelas instituições ambientais federais, resultando no inadequado atraso na adoção das medidas cabíveis para, entre outras providências necessárias, garantir a oportuna contratação, por exemplo, de brigadistas tendentes a auxiliar no oportuno combate aos focos de incêndio”.
O uso desses produtos não tem regulação no Brasil. Por isso, o TCU determinou que deve ser analisada “eventual edição de atos normativos tendentes a tecnicamente regulamentar ou orientar o emprego de retardantes químicos de queimadas, entre outros produtos”.
Sobre o material que chegou a ser utilizado, o tribunal pede que seja feito o “monitoramento e a medição do atual uso desses produtos na respectiva região diante dos eventuais riscos ao meio ambiente e à saúde das pessoas em face, por exemplo, de a pulverização dos retardantes sobre a vegetação tender a resultar na recomendação para a suspensão do consumo de água, pesca, caça, frutas e vegetais na respectiva região pelo prazo de quarenta dias”.
O TCU deixou de acatar um pedido de suspensão cautelar da compra do material, apresentado pelo Ministério Público junto ao TCU, porque o próprio Ibama decidiu suspender a aquisição emergencial quando o plano veio à tona.
Conforme mostrou o Estadão, o Ibama fez uso parcial das informações de um laudo técnico elaborado por seus próprios servidores, em 2018, com o objetivo de autorizar a compra emergencial, e sem licitação. Esse documento traz a afirmação de que os estudos do produto apresentados pelo fabricante “indicam que o produto é biodegradável e apresenta baixa toxicidade para seres humanos e para algumas espécies representativas do ecossistema aquático”. Essa informação foi incluída na argumentação de compra do órgão federal. O Ibama ignorou, porém, outros dados fundamentais deste mesmo documento.
O órgão chama a atenção para riscos, medidas preventivas, necessidades de testes e falta de regulação no País, por se tratar de produtos “cujos dados sobre a ecotoxicidade ainda são incipientes”. Depois de afirmar que os agentes só devem utilizar o retardante apenas em último caso, quando outros meios de combate a incêndios forem ineficientes”, o parecer traz uma lista de precauções. A principal delas pede para “instituir a suspensão do consumo de água, pesca, caça e consumo de frutas e vegetais na região exposta ao produto pelo prazo de 40 dias, considerando que os produtos se degradam em cerca de 80-90% em 28 dias”.
Consta no documento o pedido para que, em caso de aplicação do produto em terras indígenas ou próximo a locais populosos, que a população local seja informada “sobre os possíveis riscos do consumo de água e alimentos provenientes do local nos 40 dias seguintes à aplicação do retardante de chamas”. O Ministério do Meio Ambiente e o Ibama não informaram se essa comunicação prévia foi feita.
À reportagem, o Ibama chegou a dizer que “não há vedação legal ou regulamento que estabeleça exigência governamental na forma de registro ou autorização de uso de produtos retardantes de chama”. Também afirmou que o laudo técnico do Ibama foi uma “análise em abstrato”.
Correio Braziliense