Em meados de agosto a magia parecia não ter fim. A Estrela Solitária brilhava intensamente. Semifinal da Copa do Brasil, quartas da Libertadores, G-6 no Brasileiro… Todos se perguntavam: como o limitado elenco do Botafogo consegue ir tão bem em todas as frentes? Pois é. Não conseguiu. Ali foi o limite. E o ano que parecia mágico terminou trágico.
Imprevistos, trapalhadas, desencontros e, principalmente, limitações físicas, técnicas e financeiras atrapalharam a caminhada do Botafogo. Do inesperado tumor de Roger à falta de tato em negociações, os problemas se acumularam e aos poucos, no dia a dia, minaram o time e o vestiário.
A queda de rendimento no Brasileiro, curiosamente, aconteceu justamente quando o time teve tempo para priorizar exclusivamente a competição. A consequência foi ver a vaga na Libertadores, que parecia tão fácil, escorregar pelas mãos. Houve um pecado? Talvez sete, que juntos levaram o Botafogo a ter um fim de ano melancólico.
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1) Pressão: acabou o amor… e virou um inferno
Poucas vezes os gritos de “acabou o amor, isso aqui vai virar um inferno” fizeram tanto sentido. A queda de rendimento levou o Botafogo a perder seu maior aliado em 2017: a torcida. Das lindas festas na Libertadores, com mosaicos e casa cheia, a um sem número de protestos nos últimos meses do ano.
Enquanto o Botafogo esteve bem a torcida carregou o time no colo. Até mesmo após a eliminação na Libertadores a equipe foi recebida com aplausos no Rio de Janeiro. O amor, no entanto, não resistiu à vertiginosa queda de rendimento. Protestos em aeroportos, após os jogos e antes de treinos minaram a relação.
A gota d’água foi a invasão ao Nilton Santos no dia 18 de novembro, que impediu o time de treinar na véspera da partida contra o São Paulo. Na ocasião, jogadores e comissão técnica ficaram acuados no vestiário. Antes símbolos do bom momento, nomes como Bruno Silva, Roger, Rodrigo Pimpão e até Jair passaram a ser apontados como vilões.
2) Fator casa: caiu no Niltão…
Até pela pressão da torcida, jogar em casa tornou-se um fardo para o Botafogo na reta final. Caldeirão durante boa parte do ano, o Nilton Santos não foi uma arma nos últimos jogos para o time de Jair Ventura, que chegou a ter a terceira melhor média de mandante da Série A.
O Alvinegro somou apenas um dos últimos 12 pontos disputados no estádio. Além do empate deste domingo contra o Cruzeiro, foram três derrotas para Fluminense, Atlético-PR e Atlético-GO. Uma vitória em qualquer um desses jogos levaria Jair & companhia para a Libertadores.
3) Financeiro: dinheiro na mão é vendaval…
É difícil mensurar o quanto afeta no comprometimento de um elenco quando se há dívidas. No Botafogo, a diretoria vem desde o início de 2016 pagando em dia os salários e recolhendo os encargos trabalhistas, mas a apertada situação financeira impediu o pagamento das últimas premiações dos jogadores. Ao todo, estão pendentes três “bichos”, famosa bonificação no futebol por vitórias, no valor de R$ 90 mil cada um – quantia repartida com plantel e comissão técnica.
Além disso, o prazo previsto em contrato para remuneração mensal no clube é até o quinto dia útil, mas a diretoria vinha acertando os vencimentos com o elenco todo dia primeiro. Só que isso não aconteceu na última sexta-feira, 1º de dezembro, antes da última rodada – jogadores e funcionários só devem receber nesta semana. Não se pode dizer se isso pesou no desempenho, mas é fato que a injeção financeira ao longo do ano foi um dos diferenciais da equipe.
Foi assim nas boas campanhas na Libertadores e na Copa do Brasil, em que 50% do valor que o clube ganhava de premiação era repassado ao plantel. Agora, o clube deve usar a premiação de R$ quase 1,6 milhão do Campeonato Brasileiro para acertar as pendências com o elenco.
4) Vestiário: um por todos, e todos por… quem?
A falta de dinheiro também atrapalhou nas renovações. O clube sabe que vai ter que apertar ainda mais o cinto em 2018, por isso congelou as negociações com todos que estavam em fim de contrato para tratar só após o Brasileiro. O que deixou um clima de insegurança sobre o grupo e seus líderes, como por exemplo Roger, Dudu Cearense e Luis Ricardo.
O caso do lateral é o mais emblemático: o clube chegou a anunciar a ampliação de mais dois anos de contrato, mas se precipitou. Só o jogador assinou. O presidente, com as negociações congeladas, não o fez. E o vestiário alvinegro, que tinha como característica do sucesso a união do grupo, ficou estremecido enquanto alguns tiveram contratos renovados e outros não sabiam o dia de amanhã.
5) Planejamento: o campo (comando) minado do futebol
A divulgação precipitada da renovação com Luis Ricardo pegou muito mal internamente para o vice-presidente de futebol, Antônio Carlos Azeredo. O Cacá, como é chamado, também foi quem ligou para Roger na véspera da cirurgia do atacante e o deixou magoado com o clube. A figura antes muito respeitada do homem forte do “bicho” perdeu força com o grupo.
Sobre Antônio Lopes, gerente de futebol alvinegro, recai o peso da falta de peças no elenco, motivo de reclamações de Jair Ventura em coletivas. Principalmente após as perdas que o grupo sofreu ao longo da temporada e não repôs à altura: saíram Camilo, Montillo, Sassá, Canales e Joel, enquanto só Arnaldo dos que chegaram virou titular absoluto. Os outros foram Brenner, Valencia e Marcos Vinícius.
6) Roger: doença e saída pela porta dos fundos
Ariltheiro da temporada (17 gols no ano), rei dos clássicos (8 gols contra os rivais)… 2017 parecia ser o ano de Roger. Mas não terminou bem. O inferno astral começou uma semana após a queda na Libertadores, quando descobriu um tumor no rim. A notícia comoveu não somente o Botafogo, mas todo o futebol brasileiro. Operado com sucesso, recuperou-se em menos de dois meses, mas a perda técnica e de liderança foram imensuráveis para o clube.
A doença trouxe à tona um outro problema. A renovação de Roger nunca foi prioridade no Botafogo. Após a cirurgia, representantes do atleta fizeram uma pedida considerada fora da realidade pelo clube…. e abriram negociação com Corinthians e Inter. O Alvinegro até apresentou uma contraproposta, mas antes da reposta foi surpreendido com a notícia do acerto com o Colorado.
No fim, na véspera do jogo decisivo contra o Cruzeiro, a troca de acusações públicas entre o jogador e o presidente Carlos Eduardo Pereira por conta da conta do hospital conturbou ainda mais o ambiente entre jogadores e direção.
7) Esquema: metamorfose ambulante… e reativa
Jair previu que o Botafogo vai precisar se reinventar em 2018. Algo que não conseguiu em 2017. Quando assumiu o time no ano passado, o técnico herdou o esquema com três volantes de Ricardo Gomes e o fez rodar. Encaixou tão bem que o time, mesmo limitado, fez frente a todos do país e surpreendeu na Libertadores. Mas quando os adversários foram aprendendo a neutralizar a estratégia alvinegra… Não houve uma alternativa eficaz.
Não por falta de tentaivas. Jair testou jogar com dois meias de criação enquanto teve Camilo e Montillo, mas a dupla ideal nunca funcionou fora do papel. Outra opção buscada foi com uma formação de três atacantes, o que deixou o time exposto demais e também não deu certo. O treinador se viu forçado a manter o esquema que prioriza a marcação com a trinca de volantes. Chegou a jogar com quatro, tendo João Paulo improvisado mais à frente.
Para conseguir voltar à Libertadores no ano que vem, o Botafogo especialista no futebol reativo terá o desafio de aprender a propor mais o jogo, fundamento que sempre teve dificuldades antes mesmo da era Jair Ventura. Até pelas perdas de jogadores, já consumadas ou previstas, o elenco precisará ser reformulado. E é hora de pensar em novas táticas.